terça-feira, 14 de fevereiro de 2012

De: Fernando Pessoa Para: Ophelia Queiroz

                                                                                                                            23/3/1920
Meu querido Bebesinho,

Hoje, com a quasi certeza que o Osório não te poderá encontrar, pois, além de ter de esperar aqui pelo Valladas, tem naturalmente de ir levar assucar a casa de meu primo, quasi que de nada me serve escrever-te. Vão, em todo o caso, estas linhas, para o caso de sempre ser possível fazer-te chegar a carta às mãos.
Ainda bem que a interrupção de ainda agora foi mesmo no fim da nossa conversa, quando íamos despedir-nos. Era justamente para evitar interrupções d'essas que eu escolhi o caminho por onde hoje íamos. Amanhã esperarei à mesma hora, sim Bebé? 
Não me conformo com a idéa de escrever-te; queria fallar-te, ter-te sempre ao pé de mim, não ser necessário mandar-te cartas. As cartas são signais de separação - signais, pelo menos, pela necessidade de as escrevermos, de que estamos affastados.
Não te admires de certo laconismo nas minhas cartas. As cartas são para as pessoas a quém não interessa mais fallar: para essas escrevo de boa vontade. A minha mãe, por exemplo, nunca escrevi de boa vontade, exactamente porque gosto muito d'ella.
Quero que sintas isto, que eu sinto e penso assim a este respeito, para não me achares seco, frio, indifferente. Eu não o sou, meu Bebé-menininho, minha almofadinha côr-de-rosa para pregar beijos (que grande disparate!)
Mando um meiguinho chinez.
E adeus até amanhã, meu anjo.
Um quarteirão de milhares de beijos do teu, sempre teu
                                                                                                       Fernando

O Osório leva o chinez dentro de uma caixa de phosphoros.


                                                             in Cartas de Amor de Fernando Pessoa, edições Ática

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